GIULIANO PICCININNO
30 ANOS "EM CAMPO"
Entrevista concedida a Gianpaolo Bombara, para a Revista Walhalla.
No início do seu trabalho como desenhista (se não me falhe a memória começou em 1981), trabalhou um pouco em todos os tipos de publicações; periódicos para crianças e adolescentes, fanzines, edições Bonelli, livros de bolso, jornal diário, edições publicitárias, etc. Como conseguiu conciliar a sua natural evolução artística c/ a necessária diferenciação de estilo de acordo com o que estava fazendo?
Giuliano Piccininno: Tenho orgulho da minha formação de "ler qualquer coisa". Não faço distinção entre um quadrinho consagrado ou um popular, entre mangá e de super-heróis, entre Linus e Mickey Mouse, os jovens leitores me indicam todos os códigos narrativos disponíveis, vejo sempre com ressalvas a especialização do leitor que produz críticas ao ler histórias que não são do seu gênero favorito. Não digo que todos os quadrinhos devam agradar, mas precisam ao menos saber lê-los antes de emitir opinião.
Com qual tipo de produção encontra mais facilidade?
Giuliano Piccininno: Do ponto de vista humano e profissional afirmo que o meu trabalho Dampyr, mas também atravessei momentos difíceis, onde foi difícil sustentar-me sem trabalho certo, mas a editora me auxiliou. Mas, se for olhar a coisa somente pelo lado criativo, não posso deixar de citar o período que trabalhei fazendo "O Intrépido" nos anos 90, cujos textos eram de Giuseppe De Nardo, tendo como editor e grande incentivador Sauro Pennacchioli. Um outro período interessante, foi aquele com Rei Arthur: 32 páginas, que tinha de fazer tudo rápido, pois ia para as bancas no mês seguinte; foi um procedimento que me deu muita satisfação, devido o feedback imediato dos leitores.
O teu rol de colaborações é extenso. Simples ecletismo ou "queria estar em todas"?
Giuliano Piccininno: Não; considere minha primeira resposta que verá que foi uma escolha profissional, não forçada. Quando menino não sonhava em desenhar este ou aquele personagem, mas sim, me transformar em um desenhista de quadrinhos. De qualquer que fosse o gênero. Somente em seguida comprendi que, para ficar "no mercado", seria conveniente saber fazer de tudo um pouco, mas da base o meu interesse é por toda forma de expressão por imagens.
Com sua longa experiência no setor, deve ter conhecido editores de todos os gêneros. Trabalha melhor com quadrinhos de forma específica ou numa editora genérica?
Giuliano Piccininno: Com relação à uma editora genérica não sei, nos quadrinhos especificamente as diferenças são enormes de um editor para outro. Eu tenho uma boa experiência com publicidade e ilustrações diárias para jornais; difícil afirmar se se trabalha "melhor" neste ambiente. Em um primeiro momento, habituado ao trabalho tranquilo e solitário sobre às páginas, mal suportava o ritmo imposto de uma campanha publicitária, onde tudo muda várias vezes no mesmo dia, e se acaba mais tempo na frente do computador e ao telefone do que na mesa de desenho. Com o tempo aceitei esse procedimento também porque, os meus "chefes" mostraram competência e profissionalismo, sabendo motivar suas escolhas com muita clareza, qualidade difícil de encontrar no mundo das histórias em quadrinhos.
Existe algum personagem (ou algum tipo de publicação) que gostaria de se fixar?
Giuliano Piccininno: Disse há algum tempo enfaticamente que gostaria de fazer os 4 Fantásticos, dos quais fui leitor até pouco tempo atrás. Hoje não sei afirmar. Gostaria de fazer um Grafic Novel "para ver como ficaria", talvez seja uma grande reviravolta, se isso ocorrer.
Iniciou, com outros colegas desenhistas, conterrâneos seus, criando de fato aquela que é a "escola gráfica salernitana". Como ela se diferencia ou se diferenciava, das outras escolas gráficas da Itália?
Giuliano Piccininno: Pensar em se tornar um desenhista de quadrinhos, para rapazes provincianos nos difíceis anos 70, não era exatamente uma boa idéia.Não tínhamos informações, não existiam mostras, nenhum editor ou contato para pedirmos conselho. Mesmo faltando tudo, não desanimamos e com uma ajuda aqui, outra ali, fomos em frente, até acumularmos bagagem técnica e entendermos que precisávamos de contato com editores.
A definição "escola salernitana" nasceu mais tarde, no fim dos anos 80, depois da experiência com a nossa revista "Trumoon", quando alguns de nós (em particular Brindisi, Coppola, Sinascalchi e De Angelis) começaram a se fazer notar no quadrinho popular com um estilo reconhecível, fruto de experiências formativas comuns e de uma longa convivência interna em um estúdio. Na realidade não há nenhum estilo que seja comum a todos, não formamos um gênero. A "escola" é hoje um grupo de amigos com coisas em comum, acredito que Salerno tenha o mais alto número de profissionais de quadrinhos em relação ao número de habitantes.
Está atualmente trabalhando em Dampyr. É um personagem que te aproxima dos seus interesses - e que procurou por ele - ou somente aconteceu que te proporem fazê-lo?
Giuliano Piccininno: Fiz páginas de teste para Martin Mystère, que foram interceptadas por Mauro Boselli, à caça de desenhistas para a minisérie Dampyr (que depois se transformaria em série regular). Quando li a primeira história antecipadamente fiquei impressionado com o personagem e procurei interpretá-lo da melhor maneira possível.
Poderia dividir conosco alguma recordação sua relacionada a Sergio Bonelli?
Giuliano Piccininno: Hoje fico triste de não ter convivido mais com ele. Me recordo até hoje do seu telefonema, no qual queria aprenas me dizer que gostou do meu trabalho em Dampyr. Em tantos anos de contato com editores, nunca tinha me acontecido algo do gênero.
Prefere trabalhar sozinho ou também se sai bem quando tem um texto escrito pelos outros?
Giuliano Piccininno: Quando escrevo sobre o que desenhar me parece um esforço duplo, tenho a sensação de já ter tudo definido e que as ilustrações serão um esforço suplementar. Prefiro nesse caso, deixar alguma trama não resolvida, para resolver depois no final. Quando trabalho com o roteiro, fico um pouco mais tranquilo, pois já sei como farei. Mesmo quando acontece de ter que fazer mudanças (às vezes escritores descrevem cenas impossíveis de realizar) me sinto livre para fazê-las. Não são "belos desenhos" mas funcionais para a história, que podem ser mais difíceis de serem feitos.
Muitos desenhistas adoram fazer as páginas, mas odeiam pintá-las. Para que você, principalmente, prefere também pintá-las.
Se trata sem dúvidas, de uma escolha, nem sempre por questões financeiras, em todo caso, prefere confiar sem temores a qualquer "pintor" os seus desenhos?
Giuliano Piccininno: Um bom "pintor" deve ser um bom desenhista, capaz de interpretar os sinais que a página lhe indica. Aqueles que vejo por ai são "repassadores", ou seja, devo fornecer uma página praticamente pronto, como quero que fique. Digo sempre que sou um apaixonado pelo método de trabalho da Marvel de um tempo para cá, colocando seus "pintores" para trabalhar em simples esboços. Aquilo que "fala" ao leitor é a página final, a forma como a página foi pintada desaparece, como é justo que seja. Por este motivo, prefiro fazer tudo sozinho. Se batesse na minha porta um ressucitado Al Williamson, posso mudar de idéia...
Quando desenha (não somente Dampyr), procura utilizar-se de alguma regra cinematográfica? Ou ao menos, busca inspiração no cinema ou nas produções televisivas atuais?
Giuliano Piccininno: Devo confessar que vejo pouquíssimo televisão e que não sou apaixonado pelo horror cinematográfico. Em um nível técnico eu acho que os quadrinhos têm sua própria linguagem e sua eficácia quando não imitando outras mídias; quando me chega o roteirista e fala: "de modo cinematográfico", eu pergunto... porque não escreve para o cinema? Quadrinho é outra coisa. Me arrisco a declarar abertamente meu desinteresse pela figura do vampiro que, sobretudo em suas aparições, ma fascina bem pouco. Antes de ser mal interpretado, gostaria de recordar que desenho com grande satisfação um personagem que os enfrenta, os vampiros. Bastante coerente!
E o que dizer da música? Escuta alguma coisa em particular, desenhando, o prefere trabalhar no silêncio?
Giuliano Piccininno: Para passar o roteiro para as páginas, melhor o silêncio. Quando as coisas estão mais definidas, coloco minha coletânea musical enquanto desenho, vai bem uma rádio legal via web, talvez até um rock progressivo. Quando pinto as páginas gosto de escutar programas radiofônicos, em particualar Radio 3. Sou de momento, posso às vezes escutar um album inteiro de uma única vez, outras vezes vai bem um "best of". Ou seja, a escolha certa.
São momentos no qual um Lucio Battisti seguramente será preferido ao sublime Frank Zappa.
Parece que o esporte seja uma constante na sua vida. Praticou muito no passado e ainda tenta fazê-lo conhecer às crianças (não somente o rugby). Quer falar? E tentar influenciá-las com sua profissão?
Giuliano Piccininno: A minha estréia profissional (Alan Ford 180, A Chama Olímpica, 1984) nasceu de um influência: propus a Secchi um roteiro sobre esporte, e ele, ao invés, me pediu para escrever uma história sobre as Olimpíadas de Los Angeles. Curiosamente, aquele trabalho marcou o fim da minha atividade esportiva, tornando-a incompatível com a minha profissão; um ano antes obtive bons tempos nos 400 metros e poderia talvez aspirar resultados melhores. Quando tive noção de que treinaria seis vezes por semana, durante duas ou três horas, foi o suficiente para seguir a carreira que sigo hoje. Depois de várias experiências esportivas descobri o fascínio da bola oval quase me fez seguir outros caminhos. Depois de praticar o esporte e graças o encontro com Claudio Da Ponte da revista "Rugby Club", nasceu "Os Bagigi", um bom time de jovens jogadores de rugby, onde pude mostrar meus conhecimentos e a minha paixão pelo esporte.
Ensina, pratica esporte, tem família, desenha quadrinhos e outras coisas mais... Confessa, tem um clone que te ajuda?
Giuliano Piccininno: As vezes me pergunto também a mim mesmo, provavelmente tenho outros sem conhecer, sem nem saber.
Algum projeto pessoal que quer anunciar?
Giuliano Piccininno: Um dos meus clones está "arquitetando" uma mini-série horror-político muito particular, junto com Rudy Salvagnini (roteirista Disney e, ele sim, expert em cinema horror) e Marco Bellotto, veremos aonde vai chegar. No geral, um outro clone tem mantido contatos. Ah, então haveria a famosa grafic novel, deixe-me pensar em qualquer desgraça para ilustrar... inundações em Firenze? Já fiz? Massacre na estação de Bologna? Já fiz? Ruanda? ...
Agradecemos a Giuliano pela disponilidade e pelas belas respostas, de uma autor que parece conhecer particularmente bem esse estranho mundo dos quadrinhos.
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