sábado, 5 de dezembro de 2015


Dampyr, Rei, cavaleiros e bruxas, me fizeram cantar...


Escrito por David Padovani

Um imenso tapete composto de infinitos fios

Nos seus quinze anos de vida editorial, Dampyr esculpiu uma colocação particular entre as séries bonellianas; isto devido às características intrínsecas exigidas para a série de Mauro Boselli, o responsável pela série e o principal autor.

A série que tem como protagonista Harlan Draka é dotada de uma forte continuidade interna, de uma trama horizontal que se estende (mais ou menos evidente, dependendo do caso) num longo fluxo mensal dos episódios e de um componente temporal que se qualifica pelo fato que, no decorrer de quase duzentos números, os protagonistas envelheceram e continuam em ação.



O elemento que pode definir a série é o universo narrativo, ou melhor o "multiverso" que Boselli construiu entorno aos seus personagens: um monte de mundos e realidade paralela que deram origem há várias estirpes e raças a que pertencem os protagonistas da série, e que sobretudo geraram uma série de subtramas e filões narrativos que se cruzam, a criarem um afresco complexo e fascinante.

A riqueza e o interesse por alguns destes filões, e o número não é pequeno, para certos aspectos são também um elemento por ser o autor de mais destaque na SBE à nível de páginas escritas, é claro que - porque é uma das características do seu estilo de escrita, denso e dilatado - nos últimos anos tornou-se quase impossível de se realizar de um modo coeso e paralelo entre às várias subtramas.

O autor milanês teve então a necessidade de passar de um filão narrativo para outro, aprofundando um aspecto, à expensas de um discurso mesmo à distâncias notáveis de tempo; tudo isso enquanto esta macrotrama da série foi pontuada por singulares episódios autoconclusivos: um artifício cujos leitores de quadrinhos de super-heróis já estão habituados.  


O ciclo céltico, o arturiano

Apenas nos números 185 e 186, lançados em agosto e setembro, Boselli trás a baila um dos ciclos mais importantes da série, um dentre os mais estreitamente ligados à figura de Dampyr em geral e Harlan Draka em especial: o ciclo céltico, o arturiano.

Em 2003, quando nos números 43 e 44 da coleção, Boselli (juntamente com Mauro Laurenti nos desenhos), apresentava pela primeira vez o mito arturiano, ligando-o à figura de Ambre Tremayne, Mestra da Noite aliada de Harlan e sua tia, sendo ela irmã de Draka, o pai do Dampyr atual.

Naquela aventura Harlan, Tesla e Kurjak ladeavam Amber contra a ameaça de Black Annis e dos monstruosos Tylwyth Teg, o pequeno povo das lendas galesas.

Nesta história Boselli mistura com sabedoria a função narrativa com os eventos históricos no que Século V viu a destruição da Bretanha Romana por parte dos Anglos e Saxões; tudo misturado ao mito do Rei Artur, que encontra mais de um fundamento nos anais e em várias fontes históricas.

A aventura, que vê ainda uma pouco conhecida Tremayne como protagonista importante de acontecimentos históricos, se pergunta deixando muitas perguntas em suspenso, sobretudo sobre Taliesin, poeta guerreiro, e da malvada Black Annis, uma figura importante da galeria de vilões dampyrianos. 

A doze anos de distância daqueles acontecimentos, Boselli, novamente ladeado por Laurenti, pega novamente os filões daquela narração sempre em duas histórias, por certos aspectos particulares. A peculiaridade reside no fato que, por todas as 188 páginas que compõem a aventura, Harlan "se veste" de escutador dos acontecimentos narrados pela sua tia Amber, identificando-se em tudo com o leitor.

A Mestra da Noite se está empenhada em contar sobre os eventos acontecidos dezesseis séculos atrás, ampliando-os, colocando luz sobre aspectos obscuros das histórias de 2003; mas sobretudo, abrindo uma fresta sobre a origem da estirpe dos Mestres da Noite, dando detalhes até hoje mantidos ocultos. Também revelou o Dampyr daquele século, o Taliesin que Boselli ligou a Charles Moore, o novo dampyr nascido no número 162, que foi para as bancas faz pouco mais de dois anos. 

Não bastam, porém, estes últimos dois números para exaurir os acontecimentos e concluir a história de Amber. O número 186 se de uma forma muito abrupta. Por sorte, os leitores não deverão esperar doze anos para ler a conclusão desta história e mitos. Já foram anunciados quatro números para a primavera (européia) de 2016, onde veremos em ação os protagonistas Taliesin e seus aliados contra Black Annis.


Boselli-Castelli

Mauro Boselli é um mestre em produzir tramas complexas, que se estendem por centenas de páginas, mas sobretudo tem o talento de conseguir gerir um vasto "cast" de personagens no interior de uma história. Nesta última dupla aventura não nega, dando também vazão a sua notável cultura e a sua paixão por lendas medievais britânicas. 

Na impostação, os números 185 e 186 de Dampyr recordam de perto numerosas histórias de Martin Mystere: que o protagonista funde-se ao narrador das ações históricas que se desdobram página por página, detalhando os eventos históricos e de ficção misturados perfeitamente  juntos. Boselli demonstra  ter feito a lição de Alfredo Castelli, capaz de criar histórias de um ponto de vista aventuroso e ao mesmo tempo, carregadas de informações a serem exploradas pelo leitor.

Boselli é bom, e não nos apresenta a versão conhecida da lenda do Rei Artur, como se esperava dele, que conhece todo o ciclo do Rei Artur.

A chamada "matéria Bretanha" tem sido tratada - e continua a ser até hoje - por dezenas de autores, que apresentam cada um a própria versão do mito.

Entre uma visão o mais próxima possível da história, que nos apresenta como deveria ser a Bretanha conquistada pelos Romanos, e uma visão ao invés da "classica" história do Rei Artur como é apresentada em poemas e baladas - muitas vezes de forma românticas, cheias de magias e anacrônicos cavaleiros medievais -, Mauro Boselli opta por uma aproximação ligada a reconstrução histórica mais fiel, inserindo a essa, elementos fantásticos e horrores típicos das histórias de Dampyr. O resultado é uma leitura seguramente imperativa que exige a máxima atenção do leitor, mas com texto e diálogos que têm a capacidade de convencê-lo e deixá-lo apaixonado pelas passagens contadas.



Laurenti e as reconstruções históricas

Mauro Laurenti há mais de vinte anos é um dos principais desenhistas de Zagor, com esta história, coleciona a sexta presença na série criada por Mauro Boselli e Maurizio Colombo.

O desenhista romano é dotado de uma marca clássica e é altamente descritivo, que faz uso de amplos recursos, dando ênfase à cor negra. Nas páginas desta aventura, porém, o que se vê é um alto nível de detalhes e atenção para a reconstrução histórica, os quais valorizam os simples quadrinhos de uma história que faz parte da "gaiola" clássica bonelliana, uma escolha precisa.

A precisa caracterização das paisagens, dos ambientes, e das arquiteturas do período, das partes internas dos palácios romanos, bem como, dos vilarejos e das fortificações das vila britânicas, revela um apurado trabalho de documentação histórica. Um discurso análogo vale para a representação do vestuário de vários personagens, esse também apurado nos detalhes: não era coisa simples, visto a presença de tantos protagonistas pertencentes às mais diversas etnias.

Laurenti também se destaca nas passagens mais fantasiosas ação com uma eficaz representação das criaturas monstruosas pertencentes ao Povo Pequeno, como também o dragão vermelho em que se trans transforma Amber Tremayne.

O conselho para gozar plenamente desta história é que recuperem as edições 43/44m antes de lerem essa aventura dupla e, se tiverem paciência, espera a próxima primavera e leiam o inteiro ciclo composto de oito edições.

Cinco meses em comparação a doze anos não é nada...



Matéria publicada originariamente no site: www.lospaziobianco.it 

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