terça-feira, 14 de outubro de 2014


A SUTIL LINHA CLARA (DA AVENTURA)
Entrevista com Marco Santucci - Dos super-heróis, 
a Dampyr e a França
Ainda adolescente, bebeu da água de um grande desenhista italiano (Fabio Civitelli). Há vinte anos conseguiu trabalho numa pequena editora (a Phoenix de Daniele Broli) e deu os primeiros passos nos "bonelaides" (com Samuel Sand), está entre os fundadores do Studio Arcadia (das animações aos quadrinhos) e com Mauro Bianchini entrou na Bonelli em Mister No (realizando a última história de Guido Nollita), depois foi para Tex. Marco Santucci, com seu estilo preto e branco característico, atravessou fronteiras, foi a França com La Mondragore, Capitão América pela Marvel e no momento está em Dampyr pela Bonelli.

O seu último Dampyr confirma a sua vontade de trabalhar a quatro mãos...
Na realidade Patrick Piazzalunga está ao meu lado preenchendo os desenhos, desde o meu primeiro Dampyr em 2009. A diferença é que de simples assistente que fazia 30% do trabalho de preencher os desenhos, hoje fica tudo a encargo dele. Com o tempo, se aproximou daquilo que tinha em mente no que diz respeito a preenchimento e estou na supervisão de tudo. Temos gostos gráficos parecidos, por sorte, não iguais. Isso nos permite estimular graficamente um ao outro. Quando começou a preencher totalmente, pedia a Bonelli que o incluísse no contrato e sobretudo a acreditar, coisa que nos trabalhos americanos e franceses já acontecia há tempo.

Qual aspecto de Dampyr te agrada mais? Que coisa gostaria de acrescentar, tendo a possibilidade, em Harlan Draka?
Eu pedi para fazer Dampyr porque depois de 2 anos de western, tinha necessidade de um gênero moderno, e, Mauro Boselli me permitiu e não tenho palavras para agradecê-lo. Não tenho nenhuma intenção de modificar o personagem, me basta ser o "diretor gráfico" das suas histórias, e depois a única vez que propus uma mudança, foi no look de Tesla e foi aceita. Por isso, amo ela, mais que Kurjak.

Para muitos desenhistas, Tex o topo. Logo depois, você foi desenhar Homem-Aranha.
O "topo" não me agrada. Prefiro trocar... sou inquieto de natureza, como disse o grande Civitelli. Homem Aranha foi um sonho de uma vida, que se realizou, Sem crítica alguma aos outros, "Spidey", é o meu personagem preferido desde criança, o mais divertido de desenhar, o mais livre.

Trabalha para três países, que têm diferentes concepções sobre quadrinhos. Em qual você sente mais confortável?
Nas situações em que me dão liberdade criativa, de comandar e de ligar com o layout. Odeio situações em que devo trabalhar com "alguém respirando no meu pescoço": produzo menos e pior. Toda editora tem suas diretrizes e naturalmente o reverso da medalha. A Marvel dá grande liberdade criativa; a Bonelli te exige testes, buscando a qualidade gráfica nas histórias, imprimindo ao máximo o realismo gráfico, que te faz crescer. A Soleil cuida ao máximo do todo e te coloca de frente a um grande exercício gráfico, especialmente dos detalhes (e te dá o tempo todo para realizá-lo).

Civitelli e Bianchini são seus mentores, o que pode dizer deles?
Sobre eles, poderia escrever um livro, cheio de piadas e contos divertidos. O meu primeiro mestre será sempre Civitelli, que a toda tem muito para me ensinar. Antes de ser um desenhista é uma pessoa capaz de passar, não somente noções de técnicas apuradas, mas sobretudo de difundir uma paixão enorme por esse trabalho. Sem ele, talvez não teria começado. Através dele, eu conheci Bianchini, para o qual não é mistério que realizei desenhos de Tex e Mister No por dez anos (1998-2008), enquanto ele os finalizava.

Porque em um certo momento "escolheu" seguir sozinho? 
Conclui que como autor,obtenho visibilidade e gratificações gastando metade das minhas energias. O trabalho em Tex enfatiza essa condição, exigindo de mim uma carga de responsabilidade e muito mais do preenchedor, que ao final tinha que retocar e estar atento aos detalhes. Acrescento que 90% das modificações solicitadas pela editora eram claramente para mim: tudo isso é justíssimo se o trabalho é reconhecido plenamente, mas honestamente não era aquela situação. Um ano e meio antes de sair, comuniquei a Bianchini a minha decisão e a Bonelli aceitou eu ir desenhar outro personagem, enquanto Marco ficou em Tex.
Apenas tinha tomado essa decisão, e, as minhas experiência se expandiram. Desde 2008 trabalho para três editoras, em três países, em personagens que amo, realizei graficamente um, mas sobretudo, finalmente tenho pleno controle da minha carreira, que agora tem uma identidade própria. E as páginas dos meus trabalhos são agora motivos da produção, elas têm mais e mais e, o rendimento que procurava.

Na Marvel trabalhou com um autor da naipe de Peter David. Como essa foi experiência?
Sou fã de David desde uma mítica saga de Hulk, que saiu faz alguns anos. Foi uma experiência prazeirosa, estimulante, divertida. Uma das poucas vezes que lendo uma história, comecei a rir. David é um autor brilhante, profissional ao extremo, pontualíssimo com as entregas. Isto, é um elemento fundamental no mercado americano, onde tudo é feito com velocidade. Um outro desejo meu, seria trabalhar com um outro nome, que para mim está no Olimpo dos autores: Mark Millar.

Tem sua assinatura no último, histórico, Mister No...
Foi uma experiência insólita e prazeirosa ao mesmo tempo. Insólita porque transformar os esboços do grande Sergio em desenhos de um "trabalhinho". Mas uma vez que, peguei "no pesado", acabou sendo divertido. Daquela experiência recordo do telefonema que o próprio Bonelli me fez, antes de começar a trabalhar, com as suas recomendações, indicações, bem como, elogios ao meu trabalho. Foi um grande editor e, antes de tudo, um grande homem.

E com qual desenhista gostaria de fazer uma dupla? 
Se falarmos de trabalho em dupla, prefiro evitar. Infelizmente minha experiência americana não me foi agradável, a continuidade gráfica numa edição, para mim, é fundamental. Se falarmos de preenchimento dos quadrinhos, estou muito contente com o trabalho do Patrick, com quem a relação de trabalho é continuamente estimulada com novos horizontes... Digamos que faria uma exceção somente para um outro mestre inglês: Mark Farmer.

Qual o teu método de trabalho? Improviso ou metódico? 
Metódico. Digo sempre que as coisas muito "artísticas", não me interessam. Me dá prazer sempre encontrar novos sistemas que façam evoluir o meu trabalho, para depois seguir aquilo que me permite o máximo de qualidade, no menor tempo possível. No final, sou mais um profissional que um artista.

O que encontramos na sua mesa de trabalho? 
A parte os costumeiros instrumentos de trabalho, como pincéis, borracha, páginas, rascunhos? Um monte de edições que uso para inspirar-me. Os desenhistas que "sempre uso" são Alan Davis, Claudio Villa, Civitelli, Kevin Nowlan, Adam Hughes, Neal Adams, Claudio Castellini, Al Williamson... outros eu vejo apenas para alguns detalhes gráficos. Observar os outros é uma coisa que te enrique. Não devemos nunca para de fazer isso, caso contrário, nos fechamos e paramos de crescer.

Escuta música enquanto desenha? Quais? 
Geralmente escuto rádio.Mas não somente música: gosto de ouvir talk-shows, ótimo entretenimento. Também gosto de ouvir coletâneas, como de John Willians; e, compositores de filmes modernos como Hans Zimmer, são as minhas preferências.

O futuro será digital? 
Se falarmos de distribuição pode ser: é muito cômodo ter uma história numa "store on line". Se falarmos de produção, eu acho útil se usado da maneira correta. Eu utilizo o computador para algumas coisas, mas o trabalho base sempre faço a mão, com todas as sujeiras e imperfeições que são naturais ao trabalho de um desenhista.

Quais os métodos utilizados para criar as ambientações numa página?
Um misto de técnica tradicional e digital, o layout eu preparo no Photoshop, decidindo a forma do quadrinho e a estrutura geral da página. Desenho a mão o conteúdo, sobretudo os personagens e ambientações naturais. Às vezes utilizo o 3D para ter uma idéia geral, das enquadrações, se são ambientações não naturais, como carros, cidades, estruturas modernas em geral. Ao final, componho tudo no layout digital, imprimo um esboço da página, e finalizo a matriz completamente a mão. Depois de tudo, vai para o Patrick, que uso o método tradicional para preenchimento. As páginas digitais são frias, estéreis, vazias. Tendo a criar estilos. Ultimamente, vejo desenhistas que encontram um maneira de fazê-los de forma aceitável. Mas o trabalho feito à mão ainda é outra coisa.
 
E se não fosse desenhista? 
Não me vejo fazendo outra coisa. Desenhar quadrinhos é meu hobby, trabalho e vida. Bom, hipoteticamente, um outro trabalho que me agrada é o cinema. De um modo geral, estou contente em ser um simples desenhista.

Qual quadrinho queria ter na cabeceira da sua cama?
"Ultimates" de Mark Millar e Bryan Hitch. Um dos poucos exemplos de quadrinhos americanos, feito com gosto, profissionalismo e qualidade européia.

Alguém adquire seu trabalho nas bancas e uma foleada. Qual a sua reação?
Nunca estou satisfeito com aquilo que faço. Sou híper crítico com tudo e todos. Mas antes de tudo com meu trabalho. Busco sempre fazer o meu melhor. 

Por anos os italianos consideraram a França como o "ganha pão" perfeito. É correta essa afirmação? 
Não. O bonito da França é que têm um mercado com uma quantidade enorme de produtos. Isso significa que há seguramente mais escolha para nós desenhistas, enquanto que na Itália, existe apenas um pólo que nos permite produzir, que é a Bonelli. Mas também é verdade que seu trabalho se perde entre uma infinidade de outros trabalhos e as vendas em comparação com a Itália, em 90% dos casos são baixíssimas, claramente a menos que opte pelo trabalho desejado. No entanto, acredito que a França é mais adequada para aqueles com ambições puramente autorais. Eu me sinto mais ligado à lógica do mercado americano ou italiano, sinceramente.


Entrevista publicada originariamente na revista italiana: Fumo di China nº 221, sob a responsabilidade de Paolo Guiducci.

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